Começar a história com este título é até injusto, já que, ao que me parece, o lado limpo do Japão é todo e qualquer lugar. E, se não é verdade, é, definitivamente, para a maioria dos lugares de lá. Eu nunca havia caminhado antes por ruas tão asseadas.

Nem um pingo de nada no chão, nem mesmo uma migalha, um papel, uma bituca de cigarro. Aliás, é proibido fumar em grande parte das ruas. Sim, das ruas! Ao ar livre. É proibido fumar. Algo que achei ótimo porque, como já disse em outras ocasiões, fumaça se expande e chega ao nariz e aos cabelos das outras pessoas, mesmo que o fumante faça um biquinho para expeli-la para outro lado.

Pois muito bem, nada de resíduos no chão. Bom, para não dizer que não havia lixo, alguma coisa ou outra eu vi, sim. Mas chegava até a saltar aos olhos, tamanha discrepância com o que é comum por ali.

Antes de me propor visitar esse país, eu já havia ouvido falar sobre esta característica do local, de modo que não me surpreendeu. “Sabia que no Japão não lixeiras nas ruas?” “Todo mundo guarda o seu lixo na bolsa” eram algumas das falas que ouvia sobre o Japão e os japoneses. E eu pensava:

“Nossa, que maravilha! Como não precisam de lixeiras, não as instalam nas ruas, claro. Para quê, né?”

No entanto, certas circunstâncias e acontecimentos (e a fala de um conhecido meu, que mora lá), me fizeram conjecturar sobre um possível outro motivo para a ausência de lixeiras.

Corvos.

Isso mesmo, corvos. Aqueles pássaros grandes, de penas pretas e lustrosas, bico graúdo e forte e unhas pontudas e afiadas.

Os corvos estavam por toda parte. Principalmente no céu mas, algumas vezes, faziam companhia aos humanos na terra. O seu grasnido era, muitas vezes, pano de fundo sonoro para a paisagem urbana. “Ueeeé!! Ueeeé!!” E la estavam eles no ar, no alto dos edifícios.

Disseram-me que deve-se tomar cuidado para não passar debaixo de um ninho deles, sob pena de ser atacado pela mamãe ou papai corvo. E eu perguntei: “Mas como saber?” E me contaram que há placas que advertem sobre isso, com desenhos de crianças sendo agredidas pelas aves.

Felizmente não vi placa nenhuma dessas e muito menos ninho algum. Mas, um dia, estava eu em Tóquio, passeando por uma rua pouco movimentada, quando simplesmente um corvo pousa em uma lata de lixo que estava na calçada.

A beleza do animal era tão grande quanto ele (e seu bico e suas unhas). Ele brilhava à luz do sol e fustigava o lixo como se não houvesse amanhã. Eu não sabia se o admirava ou se ligava a câmera ou se me borrava toda ou se atravessava a rua e ia embora de fininho, fingindo que ele não existia.

O fato é que não foi coincidência esse corvo estar no solo e, ao mesmo tempo, haver uma lixeira (lixeira!) na cidade. Era uma lixeira dessas, de casa, de quando um morador despacha o lixo doméstico, sabem? Não foi coincidência.

A partir daí, eu comecei a acreditar que a inexistência de lixeiras pelas cidades tem como forte motivo a ocorrência dessas aves. Ou, se não é assim, pelo menos, convém. É, me parece que, no mínimo, convém não haver lixeiras (com lixo, claro) espalhadas por lá. Imaginem só a cena que vi, porém replicada em cada esquina. Um corvo ávido por encontrar comida a cada vinte passos.

Se há que se tomar cuidado para não passar embaixo de um ninho, o que não se teria que fazer ao cruzar com os bichinhos a cada passo?

Outro costume digno de nota das pessoas no Japão é não comer nada enquanto se anda nas ruas. Antes de viajar, eu já havia sido informada sobre isso. “Caminhar pelas ruas e comer ou beber ao mesmo tempo é algo mal visto pelos japoneses.” Mas até aí eu pensei que era mais um protocolo, uma etiqueta. Algo sem muita profundidade, simplesmente uma formalidade.

No entanto, depois que eu soube da existência significativa da população de corvos, tudo mudou de figura. Imaginem a pessoa comendo um sanduíche e andando na calçada. Deixa cair um pedaço no chão… Por causa disso, um corvo descende do céu para aproveitar aquele resíduo de comida. Já imaginou? Quantas pessoas tem em Tóquio, por exemplo? Dessas, quantas estaríam comendo algo? Dessas, quantas poderiam deixar cair comida no chão? Quantos corvinhos no meio do salão? É… Normalmente estamos acostumados com a presença maciça de pombas ao nosso redor. Já imaginaram o que seria se, em vez de pombas, fossem corvos?

E corvos são destemidos, hein? Não tem essa de fazer um “xô” e eles irem embora. Contaram-me que uma moça um dia resolveu afugentar um corvo que estava mexendo no lixo dela. Bastou essa atitude para, todos os dias de manhã, quando a tal moça sai de casa, ela ser perseguida pelo tal corvo. Jesus amado! Não quero confusão com corvo não! Hahahaha! (Riso de nervoso.)

Por isso, já não me estranha que não haja lixeiras pelas cidades e que as pessoas no Japão não caminhem e comam ao mesmo tempo. Para mim, esse hábito dos japoneses e a ocorrência de corvos estão intimamente ligados. Esta informação não é nada oficial. Talvez o motivo seja mesmo outro mas eu acho que faz todo o sentido.

2 pensou em “o lado LIMPO do JAPÃO

  1. Maria Cidália de Figueiredo Rivas

    Achei muito interessante essa tua observação. Faz todo sentido. Pode ser que haja algum outro motivo para a ausência de lixeiras nas ruas, mas esse motivo para evitar presença de corvos no solo também é um.

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